Em entrevista para a The New Yorker, uma das principais revistas norte-americanas, Hayley falou sobre sua vida pessoal – da adolescência à vida adulta, falando abertamente sobre seu diagnósitico de Estresse Pós-Traumático, e de sua definição de “casa” -, sobre as projeções a ela aplicadas durante as turnês do Paramore, e sobre o acordo 360 da banda com a gravadora Atlantic Records, sob a qual o trio acaba de lançar o seu último álbum assinado em contrato.

Leia abaixo:

Como foi crescer em Meridian, Mississippi? 

Oooh… oh, cara.

Uma questão assim logo de cara! 

Não, está de boa. Eu gosto de me jogar direto nas trincheiras! [Risos.] Sempre tive a sensação de que não estava no lugar certo. Eu não sei se há uma maneira melhor de colocar isso. Minha mãe e eu recentemente fomos ver um primo meu que ainda mora no Mississippi e, quando estávamos voltando, passamos por Meridian. Lá temos sorvetes de cone, os mesmos sabores que já existiam quando eu era criança. Foi estranho – nós duas tivemos reações muito viscerais por estarmos lá. Minha mãe e muitas mulheres do lado da minha mãe passaram por muita coisa; há muita história de violência doméstica e relacionamentos ruins. As mulheres da minha família, na minha opinião, são muito independentes e fortes, mas passaram por um inferno. Então Meridian meio que encapsula tudo isso para mim. Quando criança, eu tinha amigos, lembro-me de ser uma criança muito hiperativa e feliz quando estava perto das pessoas. Mas meu interior realmente não combinava com a maneira como eu me apresentava. Havia muita coisa acontecendo na minha cabeça e eu realmente queria sair de lá. E então nós fizemos. Mamãe e eu fugimos quando eu estava fazendo treze anos. Eu soube quase imediatamente, quando passamos a fronteira do estado – agora minha vida está começando. Sabe?

Mississippi é muito central para a história da música e literatura americana, para o movimento dos direitos civis, para tantas coisas. Estou curiosa para saber como a cultura do lugar – seu lado sulista, e a maneira como você escapou dele – moldou você, se é que o fez?

Acho que isso me moldou mais do que eu estava disposta a admitir por muito tempo. Mudei meu sotaque rapidamente. Eu fui ridicularizada, e então eu estava, tipo, eu terminei com isso. Quando eu estava na escola em Meridian, a música que me atraía era gospel, Motown, R&B. Meu avô era obcecado por Elvis, então eu ouvia muito Elvis. E eu estava muito focada no fato de que um dos Temptations – David Ruffin, que não tem uma reputação brilhante – era de Whynot, onde eu ia ocasionalmente quando criança. Quando penso no Mississippi, penso em meus amigos negros; Lembro-me de ter aprendido sobre D’Angelo com minha amiga Sheena. Voltávamos do treino de basquete e íamos para o terceiro período, e ela ainda estava usando os shorts de basquete, passando manteiga de karité ou manteiga de cacau nas pernas. A aula começava, mas ela ficava apenas desenhando D’Angelo. Eu perguntava tipo, “Quem é esse?”. Como adulta, estou descobrindo por que sou realmente arrebatada por cantores incríveis como Aretha ou Etta James. Acho que a história negra – que é a história americana – foi apresentada para mim enquanto eu morava no Mississippi. As pessoas que ajudaram muito minha mãe nos primeiros dias, quando ela estava passando por esse casamento horrível com meu primeiro padrasto, eram mulheres negras. Lembro-me delas sendo honestamente heroicas com minha mãe. E elas foram heroínas para mim também. Eu não consigo falar muito sobre isso, e geralmente não parece apropriado trazer isso à tona. Mas acho que é isso que o Mississippi é para mim. É como uma conexão com uma história muito rica, algumas das quais não faço parte agora. Mas está lá.

Às vezes, eu escuto explosões inesperadas de Motown e R&B no Paramore; eu acho que certamente está presente na maneira como você existe no palco. Fiquei interessada no que você estava dizendo sobre o trauma geracional em sua família – sua mãe, sua avó, todas as mulheres antes disso – e como isso de alguma forma se infiltrou em seu DNA, em seu sangue. Eu acho que pode haver algum trauma herdado do ambiente em que você estava inserida também.

Sim, totalmente. Eu me sinto muito grata por ser do Sul, tanto quanto fico frustrada com o ponto de vista político típico do Sul, ou como Nashville é apenas um pontinho azul em um estado vermelho. A família da minha mãe era de Slidell e Baton Rouge, Louisiana. Então passei muito tempo nos dois lugares. Há apenas algo. Há uma coragem incrível em tudo isso.

Você sente que Nashville é o seu lugar agora?

Sim. Os caras e eu estávamos conversando sobre isso ontem, porque Zac [Farro] finalmente conseguiu um estúdio aqui. Trabalhamos muito em Los Angeles. Mas é difícil descrever o senso de comunidade que uma pessoa pode encontrar em Nashville. Mesmo com todos os turistas e toda a merda que não amamos, a comunidade artística e as pessoas com quem encontramos um lar aqui – não é como qualquer outra comunidade criativa em qualquer outra cidade. Eu adoro isso, cara. E nossas famílias estão aqui. Minha família e a família de Zac moram no sul, em Franklin, e a família de Taylor [York] mora na cidade. Então é nossa casa.

Você tinha apenas quatorze anos quando assinou um contrato de produção com a Atlantic Records, o que significa que você está chegando a quase vinte anos no mundo da música – na verdade, este novo disco é o ponto culminante desse contrato. Existem coisas que você gostaria de poder dizer ao seu eu mais jovem sobre como navegar nas águas estranhas e traiçoeiras da indústria fonográfica?

Sim. E sobre muito mais do que apenas o contrato! Esse contrato foi o primeiro negócio nos moldes do acordo 360* da história. Não sabíamos de nada! Minha família não sabia de nada. As famílias dos meninos não sabiam de nada. Minha mãe e eu não tínhamos muito dinheiro. Ela era babá e eu diria: “Bem, vou cantar uma demo country”. Eu estava fazendo shows de composição e shows de demonstração apenas para ganhar dinheiro extra. A primeira música que o Paramore escreveu foi chamada de “Conspiracy”. Escrevi sobre finalmente sentir que meus sonhos se tornaram realidade, porque tudo que eu queria quando criança era conhecer pessoas da música. E então, logo em seguida, todo mundo queria me tirar do cenário da banda. Eu atribuo isso ao que estava funcionando na música pop na época: Avril, o fato de Kelly Clarkson estar fazendo um álbum pop-rock. Não nos encontramos apenas com a Atlantic Records. Quero dizer, Deus, eu conheci Clive Davis, L.A. Reid. Foi um turbilhão. “Conspiracy” era sobre meus pais me dizendo que essas grandes oportunidades estavam chegando para mim e que eu teria que fazer sacrifícios. E eu ficava pensando, eu simplesmente não me importo se nunca fizermos um show, desde que eu possa tocar música com meus amigos.

*Nota (Paramore Brasil): com o acordo 360, a indústria musical buscou uma alternativa aos contratos tradicionais, criando um novo sistema em que a empresa concorda em fornecer suporte financeiro para o artista, incluindo adiantamentos de diretos, suporte em marketing, promoção, turnê e outras áreas. Por sua vez, o artista concorda em dar à empresa uma porcentagem de um número maior de seus fluxos de receita, geralmente incluindo tudo, desde streaming digital e online, performance ao vivo, vendas de mercadorias, acordos de endosso e royalties de composição. No formato do contrato tradicional, o artista tinha controle sobre todas as suas receitas pessoais, e compartilhava apenas os royalties de produção com a empresa. O Paramore realmente foi a primeira banda da história a assinar um acordo 360. 

Ter quatorze anos e sentir que uma decisão adulta estava se aproximando era realmente assustador. Eu gostaria de poder voltar e dizer à pequena eu que muitos dos meus instintos estavam certos. Embora eu fosse muito jovem e não tivesse muita experiência, eu sabia o que eu achava que era certo. Eu constantemente me sentia em desacordo com minhas próprias inclinações ou tendências para certas coisas, porque eu não era uma adulta. Dito isto, se não tivéssemos feito tudo isso, quem sabe onde estaríamos? Eles queriam me contratar, mas ainda assim tiveram que trazer meus amigos para o passeio, e acabamos fazendo o que queríamos em primeiro lugar. Só precisou de muita tentativa e erro. Acho que gostaria apenas de abraçar aquela pessoa, porque ela estava muito confusa. Ela era, tipo, uma pequena garotinha em uma cidade grande. Eu estava apenas tentando descobrir o mundo enquanto fazia minha lição de casa para a segunda-feira.

Quatorze é tão jovem! Embora também me faça pensar em uma ótima frase de Taylor Swift: “Eu sabia de tudo quando era jovem”. Curiosamente, você tem instintos grandes e puros nessa idade, mas ainda não sabe como confiar neles; o mundo inteiro está dizendo que você não entende nada.

Estávamos de olhos muito arregalados quando começamos. No começo, faríamos tudo e qualquer coisa apenas para entrar na van e chegar ao próximo show. À medida que envelhecemos, acho que isso começou a cobrar um preço de nós. Nós meio que percebemos que, oh, cara, estávamos apenas no caminho – não estávamos realmente no controle de nada. Quando “Brand New Eyes” apareceu, começamos a dizer não para muita coisa. Então, com “Ain’t It Fun” e toda a merda que aconteceu entre o “Brand New Eyes” e o “After Laughter”, chegou uma grande temporada de dizer sim a tudo. E logo em seguida, Taylor [York] e eu estaríamos no fundo do ônibus chorando e querendo ir para casa. Com o “After Laughter”, finalmente aprendemos lições suficientes para dizer: “Sim, queremos fazer isso, isso e isso, mas se não forem essas coisas, talvez não valha a pena. Talvez nós apenas façamos nossos shows para nossos fãs e vejamos para onde as coisas vão.” Essas foram as escolhas mais inteligentes que já fizemos e nos prepararam para dizer não por quatro anos. Agora estamos recuperando nossas pernas e tentando descobrir: queremos dizer sim para mais? Ou precisamos planejar estarmos cansados ​​e sermos humanos?

Acho que todo artista vivo luta com algumas dessas questões: qual é a quantia certa para dar a essas coisas? O que eu seguro e guardo para mim?

Droga. Eu realmente gostaria que houvesse um guia para isso, mas não há. É o mesmo com amor ou qualquer coisa na vida. Eu penso naquela letra de Taylor Swift que você mencionou antes o tempo todo, porque alguns dias eu sinto que era muito mais sábia quando adolescente. E ainda assim tenho uma casa, cuido de um cachorro todos os dias, sou responsável por tantas coisas. Eu tenho alguns negócios. Nunca abri um negócio antes! Você está brincando comigo? Eu estive em uma banda toda a minha vida. Então, na maior parte do tempo, sinto que estou improvisando. Espero que as pessoas não vejam – espero não ser tão transparente. Todo mundo tem esse demônio mesquinho dentro de si que está apenas tentando foder… não sei se está tentando sabotar as coisas ou o quê, mas você pode dificultar sua própria vida, quando a vida já é complicada e difícil.

Você tem sido incrivelmente aberta sobre seu diagnóstico de T.E.P.T. Recentemente, também me vi lutando contra o TEPT – tive que descobrir uma maneira de não acreditar que tudo vai desmoronar a qualquer segundo, embora às vezes eu acredite nisso tão profundamente que quase o manifesto. “C’est Comme Ça” aborda parte do tédio desse trabalho. Como você encontrou uma maneira de mantê-lo?

Ainda estou descobrindo algumas coisas. Não sei se a experiência de todos é diferente, ou se todos podemos lamentar isso, mas foi meu corpo físico que começou a exigir que eu prestasse atenção às escolhas que estava fazendo e à maneira como vivia minha vida: pessoas com quem estava, meus relacionamentos anteriores. Todas aquelas coisas que eu ignorei – meu corpo não queria que eu deixasse isso ir. Então isso meio que quebrou em mim. Parecia uma queda adrenal e tive que controlar meus níveis de cortisol. De repente, fiquei muito boa em ciências – estava gostando muito de ler livros de ciências e aprender coisas sobre o corpo humano, tentando entender o que é esgotamento em nível científico. Podemos falar sobre isso, e há muitas reflexões sobre isso, mas na minha vida isso se manifestou como uma exaustão profunda. E quando fico com medo, quando tenho aqueles momentos como o que você está falando, em que você sente que está prestes a basicamente manifestar tudo ao seu redor caindo aos pedaços… Eu costumava descrevê-lo como esperar o piano cair, como em um desenho animado. Eu tive que começar a procurar ativamente maneiras em minha vida diária [para tratá-lo] – seja terapia de fala ou fisioterapia. Toda essa merda se torna física se já não começar física. Estou sempre procurando pessoas com quem posso me relacionar sobre isso, porque você tende a se isolar quando você tem trinta e quatro anos, mas você só quer estar confortável na cama, sempre. Estou sempre esperando que algo ruim aconteça. Você precisa encontrar suporte; você precisa encontrar pessoas que possam se relacionar ou ter empatia de alguma forma.

Escrever “C’est Comme Ça” era eu rindo disso. Eu acho que você tem que rir disso em um certo ponto – você tem depressão e fica tipo, Oh, meu Deus, minhas lentes no mundo são uma porra de um poema de Leonard Cohen. Tudo tem esse peso sombrio. Mas também há leviandade nesses momentos – ou talvez seja apenas meu senso de humor obscuro. Mas o que mais você deveria fazer? Há tiroteios em massa semanalmente na América. Há novos artigos o tempo todo sobre como, se não é um asteróide que vai atingir a Terra, é um ataque cibernético que acontecerá em dois anos. Você tem que encontrar ritmo, e para mim, por causa do TEPT, meus ritmos são que eu tenho que fazer algum tipo de pilates ou movimento, pelo menos algumas vezes por semana, e eu tenho que não beber tanto café. Se isso significa ter uma vida um pouco mais chata, mas posso me manter saudável e aproveitá-la, ótimo. Eu não preciso ser uma estrela do rock.

Você também escreve um pouco sobre isso em “The News” – o trabalho de estabelecer limites, de saber quando está tudo bem, ou de trancar a porta da frente e dizer, foda-se. Há uma culpa que pode vir com isso – pensar que é uma função do seu privilégio ser capaz de ignorar os horrores do mundo. Mas às vezes os horrores são demais. 

Sim. [Pausa.] Me desculpe, isso é um… daqueles apontadores de lápis?

Sim.

Eu amo isso! Minha mãe é professora.

A minha também. Meus pais, na verdade. O cheiro de um lápis recém-apontado – essa é minha madeleine de Proust. Isso me leva a algum lugar.

Isso é lindo. Eu amo isso. Tem uma na nossa garagem, porque acho que quem morou aqui antes devia ter algum tipo de loja. Eu me perguntei se ele precisa entrar [para dentro de casa] Acho que poderia. Acho que não vou até a garagem para afiar minhas coisas. [Risos.]

Tanto “After Laughter” do Paramore quanto sua estreia solo, “Petals for Armor”, abordam, de certa forma, as consequências de sua separação e divórcio, em 2017, de Chad Gilbert do New Found Glory – ou pelo menos a dissonância cognitiva do pensamento sua vida está indo em uma direção, e então as coisas dão uma guinada para a esquerda. Como foi para você escrever sobre isso?

Com o “After Laughter”, eu não sabia, sabe? Eu não estava realmente ciente de que tinha algo mais acontecendo do que apenas alguns dias ruins. Foi minha saúde física que me acordou de repente. E, mesmo depois de começar a lidar com isso, isso só me permitiu tomar algumas decisões melhores por mim mesmo. Isso me ajudou a sair de um relacionamento tóxico e ruim, mas não respondeu a nenhuma outra pergunta para mim. Fazíamos entrevistas para “After Laughter” e as pessoas diziam: “O que fez você querer escrever um álbum sobre depressão?” – um álbum sobre depressão? Eu estava tão em negação! Eu era muito ignorante sobre como a depressão realmente se parece em sua vida cotidiana. Na época em que estava escrevendo “Petals”, eu havia sido diagnosticada. Fui a um centro de tratamento intensivo e esse [terapeuta] foi muito gentil comigo. Eu realmente precisava de alguém que não fosse minha família, mas uma figura mais velha e sábia para me segurar naquele momento e dizer: “Isso realmente afetou você. Não apenas seu casamento, mas coisas pelas quais você passou e sobre as quais nunca vai falar.” Eu fazia piadas passageiras sobre todos os divórcios da minha família, fugas e toda essa merda. São coisas enormes! Eu sei disso agora, mas não era realmente um tópico que eu achava que precisava pesquisar muito, até querer entrar em um relacionamento que eu gostaria que fosse saudável, e não me sentir saudável o suficiente para isso. Mais ou menos na mesma época, minha avó sofreu um acidente horrível – não foi a causa de sua morte, mas foi o catalisador de muitas coisas. E isso realmente me fodeu: não perdi muitas pessoas na minha vida. Não é algo em que sou bem versado e gostaria que nunca tivéssemos que ser. Eu também estava desvendando meus sentimentos sobre Deus, tendo crescido na igreja e acreditando no que acredito. Eu ainda não sei realmente para onde vamos ou o que acontece.

A morte levanta muitas dessas questões.

Sim. Isso… cara, é só… é muita coisa, não é? Com os dois discos solo, consegui desenterrar muitas coisas que realmente precisavam ser vistas e ouvidas. Isso foi bom para mim. Esse disco, acho que estava me enganando um pouco, pensando que tinha chegado a um bom momento em que estava mais sábia, em que era mais estável. Eu pude ver muito rapidamente no meio da gravação do álbum, e mesmo agora que estamos mais públicos – oh, merda. Não há respostas. Eu acho que é interessante apenas aprender com as pessoas.

Oh, minha filha de um ano está aqui!

Olá!

Hayley, esta é minha filha, Nico. Nico, esta é a Hayley.

Ei! Prazer em conhecê-la. Nico! Seus colares são muito legais! Você está tão maneira!

Nico, dá um tchauzinho. 

Ah, isso foi muito fofo! Foi um grande presente, obrigado.

Me desculpe-

Não, não se desculpe. É isso mesmo, cara. Isso é o que deveria ser. É assim que o trabalho deve ser. Deve fazer parte da sua vida, e não o contrário.

Para mim, os últimos dois anos – vivendo a pandemia e depois me tornando mãe – me fizeram pensar, OK, onde exatamente acontece a vida real? Eu imagino que isso é algo com o qual os músicos em turnê lutam o tempo todo: isso é a vida real, na estrada, tocando com minha banda? Ou minha vida real é como quando estou em casa com meus amigos, alimentando o gato? Ou eles são de alguma forma minha vida real? Não sou um músico em turnê, mas para mim, pelo menos, a pandemia trouxe todas essas questões para um grande alívio, porque nossos limites se dissolveram completamente ou se tornaram incrivelmente permeáveis.

Eu gostei de aspectos disso, como poder tocar sempre que quisesse – apenas tocar uma música na guitarra no Instagram ou qualquer outra coisa. Eu assisti Rufus Wainwright tocar um monte de minhas músicas favoritas em sua casa. Havia algo que era bastante humano sobre isso. Isso me fez perceber que muito do que fazemos quando viajamos e fazemos shows não parece humano, porque as pessoas veem apenas uma espécie de versão 2-D. Eles veem essa projeção que você está fazendo. Isso que você está falando é o que tem passado pela minha cabeça enquanto nos preparamos para voltar a isso – estou um pouco assustada, e também muito animada, e também me preparando para receber um carinho no ego a cada noite, e o que isso fará comigo quando eu chegar em casa e estiver tudo silencioso. Meu terapeuta está prestes a ficar tão cansado de mim. [Risos.]

Em “This Is Why”, há muito do que eu penso como energia pós-punk, e um pouco da vibe dos anos 1970, Nova York, Talking Heads, Blondie. Você pensa em ideias de gênero quando está compondo e gravando?

Acho que a única vez que realmente entramos na conversa foi quando gostaríamos de saber o que éramos – mas nunca soubemos onde colocar nossa banda. Embora isso possa parecer um pouco torturante, também é completamente libertador. É apenas o que queremos fazer; “e se apenas fizéssemos coisas como o tipo de merda que gostamos de ouvir em casa?”. Acho que não há nenhum lugar que tenhamos medo de ir, e isso porque não há lugar para qualquer que seja o nosso tipo de música. Mas eu sei que essa merda de pós-punk e art-punk é uma das minhas músicas favoritas. É um dos subgêneros mais legais, logo antes do pós-hardcore, outro dos meus subgêneros favoritos. Talking Heads e Blondie têm sido influências constantes em todos nós desde que nos tornamos adultos. Também ouvimos muito Rapture e muitas bandas de Nova York que Taylor [York] e eu adorávamos quando éramos adolescentes. Mas também há muita influência britânica, porque eles sempre fizeram a melhor música – a melhor pra caralho. É irritante [risos]. Tem sido uma ótima forma de superar algumas das maneiras pelas quais as pessoas tentam encaixar a banda ou nos colocar nessa cena emo, na qual nunca senti que nos encaixamos. A melhor parte é ser surpreendida: “Não pensei que pudesse fazer algo assim”. Ouvir de volta e ser fã de algo que você fez é uma sensação muito gratificante. Eu não entendo isso em outros lugares da minha vida. Sou dura comigo mesma com a música, mas sou muito mais dura comigo mesma com outras coisas.

Você é uma artista muito alegre e magnética. Por muito tempo, deixamos de ver isso nas bandas de rock – por décadas, a ideia reinante era que a música séria exigia uma espécie de performance reservada, quase torturada. Você sempre gostou de estar no palco?

Sou reservada e torturada fora do palco. [Risos] Lá em cima, é muito libertador. É interessante você poder estar na frente de tanta gente e se sentir mais segura. Quisemos fazer uma série de shows de teatro [no outono passado] por causa da intimidade. Nós só queríamos que parecesse bonito, próximo e suado. Vamos abrir dois shows da Taylor [Swift] no Arizona, para a turnê “Eras”. Sei que vou ficar nervosa, mas quando chego lá em cima me sinto muito livre. Estou com as pessoas em quem mais confio no mundo. Meus companheiros de banda são da família. Nós crescemos juntos. Na turnê de outono que fizemos, foi difícil – muitos de nós pegamos Covid. Eu estava superando a Covid quando tive que cantar “All I Wanted” no show de Las Vegas. Eu estava, tipo, o que estou fazendo? Por que eu disse sim para essa porra de música? Além das coisas de saúde, era estranho estar de volta à estrada novamente. Eu tive alguns dias que foram bem difíceis. Mas, assim que subimos no palco, me senti muito confortada por todos aqueles rostos. Nossas multidões, felizmente, são super diversas. Elas realmente refletem o mundo que eu adoraria ver. Esse aspecto também me fez sentir segura. Isso me fez sentir como – tudo bem, bem, as notícias são uma merda, mas ainda existem esses rostos bonitos e essas pessoas que estão passando por coisas também. Todos nós só precisamos de uma liberação. Precisamos nos sentir seguros juntos por um momento. Isso é o que me traz alegria.

Há uma tensão particular no álbum que considero Lar vs. Não-Lar, por falta de uma maneira melhor de colocá-la. Estou curiosa para saber como você pensa sobre a ideia de lar, tanto no sentido literal – comprar, mobiliar e morar em uma casa – quanto na ideia mais ampla e espiritual de encontrar seu lugar no mundo.

Acho que essa é a minha coisa favorita que já me perguntaram em uma entrevista, porque é a minha coisa que mais gosto de falar. Qualquer um que tenha crescido em um ambiente doméstico caótico e tenha traumas por perto entenderia o porquê. Brian [O’Connor], com quem dirijo uma empresa de tintura de cabelo, ele é meu melhor amigo – conversamos sobre isso constantemente. Tudo o que ele e eu desejamos, nossa ideia de sucesso de forma consistente ao longo de nossa vida, foi apenas ter um lar. Uma casa que é sempre o mesmo lugar. Sempre que tenho que me mudar, eu realmente passo muita coisa internamente, porque é difícil. Eu me movi muito quando criança e não gosto desse tipo de mudança. Mesmo ir e voltar da casa de sua mãe e de seu pai quando eles estão divorciados… parece fácil enquanto você vive, mas como adulta, estou percebendo, Oh, nunca houve um lugar onde todas as minhas coisas estivessem. E é assim que penso sobre isso. São todas as coisas que me trazem paz e conforto. E também posso decorar. Eu amo história; eu amo texturas; eu não preciso que as coisas sejam realmente legais. Quando me divorciei, mudei-me para uma casinha de merda infestada de morcegos. Eu tive que trabalhar muito para fazê-la parecer realmente minha e aconchegante – mas, oh, meu Deus, se eu pudesse ter ficado lá pelo resto da minha vida, teria ficado bem. Amava meus vizinhos, meu pequeno quintal e meu cachorro Alf apenas latindo para todos que passavam. Não preciso de muito – só preciso de consistência. Adoro comprar coisas vintage, porque tem uma história. Eu amo marcas de arranhões; não preciso que as coisas sejam perfeitas. É por isso que adoro que você tenha um apontador de lápis na guarnição da sua porta. Parece a minha ideia de casa. É tipo, O cheiro de lápis recém raspado me traz algo que um vaso supercaro – que pode ser lindo e você pode realmente apreciar – não me traz. Não dá a mesma sensação de paz, de reconhecer algo. Me sinto muito reconhecida quando estou em casa. Tenho que me acostumar com o desconforto de me esforçar para ser mais social, porque estou percebendo que me isolei por muito tempo. Agora tenho que viver – tenho que ver meus colegas novamente, tenho que estar disposta a ficar desconfortável, pelo menos por um tempo. Porque eu amo muito minha casa.

Essa é uma resposta bonita. Você mencionou Brian O’Connor, seu sócio na Good Dye Young, uma empresa de coloração para cabelos. Como você pensa sobre estilo, se é que pensa, e como a apresentação visual de sua música se encaixa em sua escrita?

Para algumas músicas, eu tenho uma ideia do que estou fazendo, por que estou dizendo certas coisas, se estou montando uma cena. É muito bom fazer isso com o Paramore de novo, em vez do meu próprio solo, porque, embora eu tenha me divertido muito fazendo os vídeos de “Petals”, eu gosto da colaboração, não apenas musicalmente, mas visualmente. Realisticamente, nós nos preocupamos mais com a música. Nós comparecemos a uma sessão de fotos e, desde que tenhamos pessoas em quem confiamos lá – como Lindsey Hartman, que me estiliza desde “Petals”, e agora nós três – para meu próprio bem, tenho que pensar, Isso é apenas trabalho. Esta não é a minha identidade. Faz parte do Paramore, e faz parte de mostrarmos às pessoas o que fizemos. Mas eu usar um vestido em uma sessão de fotos não significa que sou uma pessoa hiperfeminina o tempo todo. Estou percebendo que tenho que fazer a distinção para não me confundir com a forma como todos no mundo me percebem, qualquer que seja essa percepção de mim. Eu posso ser muito sensível a isso. Mas, de qualquer forma, tudo isso para dizer – acabamos de fazer provavelmente o vídeo mais ambicioso que já fizemos, para uma música chamada “Running Out Of Time”.

O Paramore teve uma trajetória incomum, em alguns aspectos. Você viu um ressurgimento do interesse pelo seu trabalho quando a banda estava tecnicamente em um hiato; O Paramore de repente se envolveu no que foi chamado de renascimento pop-punk. O que você acha que levou as pessoas de volta à sua música? “Nostalgia” parece uma resposta muito simples.

Não quero fazer parte disso, mas acabei de ler um artigo sobre por que as pessoas da minha faixa etária, na casa dos trinta, querem o conforto, ou a dose de dopamina, de boas lembranças. Concordo com você – não quero que seja tão simples. Eu quero que haja outros fios de reflexão para puxar. Mas, você sabe, para o bem ou para o mal, há muita angústia realmente única na música daquele período. Tínhamos a Internet e as mídias sociais surgindo. Havia muitas maneiras diferentes de se expressar e se conectar, mas ainda existiam muitas frustações. Não muito depois do 11 de setembro, as bandas pop estavam fazendo discos políticos novamente. Então, novamente, mais recentemente, as pessoas finalmente tiveram tempo para conversar sobre injustiça racial, após o assassinato de George Floyd – acho que isso causou a tempestade “perfeita”, certo? Estávamos todos presos, e a nostalgia provavelmente também foi ótima para isso. As pessoas estavam desconfortáveis, ansiosas e com raiva. Não sei.

Mas é interessante sentir que esta é a primeira vez em nossa carreira que as pessoas dizem: “Oh, eles são esse tipo de banda – eles são uma banda emo”. Quando o emo estava em alta, ninguém sabia onde nos colocar. Eu acho que é melhor não saber onde ser colocado do que ser chamado de emo porque, embora eu posso ficar realmente nerd sobre toda essa subcultura, eu realmente não quero que o legado artístico do Paramore seja atribuído a essa palavra. Eu não acho que seja preciso. Mesmo as pessoas que estavam por perto quando o termo foi inventado não gostaram.

Hayley, foi um prazer falar com você.

Obrigada. Agradeço por ter dedicado seu tempo e adorei conhecer sua filha. Oh, meu Deus. Estarei pensando em todos vocês. Espero que ela consiga ir para algum dos nossos shows nesse verão.

Tradução: Larissa Stocco, Paramore Brasil.

Paramore Brasil
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3 Replies to “The New Yorker: Hayley Williams, sem um guia de conduta”

  1. Dá pra perceber que a Hayley é muito coração quando fala sobre a banda! Paramore é maravilhosa como banda e deveria ser prescrita pelos médicos a todos que estão meio pra baixo, sei que pra mim funciona como terapia ouvir Paramore! Amo a banda e o talento da Hayley!

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