Hayley Williams, em recente entrevista à Paper Magazine, fala sobre o processo de composição de seu recém-lançado álbum solo Petals for Armor, o conceito por trás de sua divisão em três EPs e seus hábitos durante a quarentena.
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Confira a entrevista completa traduzia:
Hayley Williams, que é conhecida por ser autêntica apesar de seu perfil gigantesco, parece especialmente bem “pé no chão” em uma recente chamada pelo Zoom (porque nossas vidas são todas no Zoom agora). Ela está acariciando seu cão Alfie, sentada de pernas cruzadas em seu sofá e falando abertamente sobre a luta para ter uma rotina. Talvez seja uma ocorrência estranha para a frontwoman do Paramore, que passou metade de sua vida – desde os 16 anos – se apresentando e fazendo turnês para estádios lotados em todo o mundo.
Antes de olharmos um para o outro através das telas 24 horas por dia, Williams estava preparando mais uma grande turnê para coincidir com o lançamento de seu álbum de estreia solo, Petals For Armor. No dia em que conversamos, ela tinha lançado “Why We Ever”, um triste groove sobre aprender a amar melhor. Mais do que nunca, Williams está se responsabilizando, para que ela possa quebrar maus hábitos, no amor e na vida. “Passei o fim de semana em casa novamente/ Desenhando círculos no chão”, canta ela. “Tentei me impedir de me machucar/ Não sei mais por quê”. Então, um apelo: “Eu só quero falar sobre isso.”
“O que você está fazendo todos os dias para ficar equilibrado”, ela me pergunta. “Estou em uma montanha-russa emocional. Os dias em que lanço uma música são os dias em que tenho mais propósito, ao que parece”.
Ela tem passado o tempo com uma série de covers de músicas postadas online, incluindo “Call It Off” de Tegan e Sara, bem como uma rotina de exercícios em casa para a música de sintetizadores pesados do “Petals for Armor”, “Over Yet”. Ela também compartilhou alguns conteúdos de culinária, postando uma imagem de sapatos de baguette.
Eu digo a ela que tenho estado tão confuso quanto qualquer um – dentro e fora das espirais internas, tentando ficar longe de muitas notícias horríveis sobre o aumento do número de mortes, mas sem evitá-las completamente. A meditação tem sido uma ferramenta de centralização útil. Ela me pede links.
Williams confessa que tem levado o distanciamento social muito a sério, quase ao ponto de sentir vergonha de ir ocasionalmente à mercearia. Em casa, é só ela e seu cachorro e Netflix. O tempo sozinha não é desconhecido para Williams. Um tipo similar de isolamento inspirou o processo criativo de Williams para Petals For Armor, que foi em grande parte gravado, escrito e co-produzido com o colega de banda Paramore, Taylor York.
“A verdade é que eu realmente não gosto de fazer essa coisa toda de ‘sala de escritores’, porque parece uma reunião, sabe?” Williams diz. “Eu tenho muita dificuldade em agendar criatividade dessa maneira e eu acho que os artistas que fazem isso [são incríveis]. [Por exemplo], alguém por quem eu sou constantemente impressionada, por sua ética de trabalho e sua criatividade é Charli XCX. Ela está escrevendo com todo mundo; ela está fazendo um disco inteiro em quarentena agora mesmo; ela é um poço sem fim desse tipo de ética de trabalho”.
Mas para Williams, Petals For Armor, que foi lançado em três etapas desde março, espelhando a conclusão do ciclo de vida de uma borboleta de sua nascente etapa desde a lagarta, aconteceu por acidente. “Eu nunca fui realmente capaz de me programar ou me colocar em um novo lugar com novas pessoas e fazer algo que realmente me pareça autêntico, então fazer este disco meio que caiu do céu direto no meu colo”, diz ela.
No entanto, as 15 faixas pessoais resultantes que compõem o Petals for Armor parecem uma catarse que só pode vir de uma vontade indomada de ir fundo, apesar de sua própria admissão de uma linha perfeccionista. Há algo de ousado em como Williams mergulha na sua psique durante todo o álbum, refletindo sobre tudo, desde a justa raiva feminina em faixas ardentes como “Simmer” e “Cinnamon”, até a luxúria insalubre em “Sudden Desire”.
A última faixa, canalizando a era industrial de Björk, destaca o jeito de Williams para a poesia sem obscurecer suas emoções. “Pegue o elefante pela mão e segure-o”, canta ela. “É cruel domar uma coisa que não conhece a sua força/ Mas é melhor andar ao seu lado do que por baixo.” Curiosamente, Williams diz que a gravação desta canção a informou de quanto mais ela tinha a dizer.
Em seguida, Williams se abre sobre as lições aprendidas em fazer música desde a adolescência até agora, e criando espaço para a sua raiva na era #MeToo. Observe-a enquanto ela floresce.
Você pode falar sobre a decisão de colaborar apenas com poucas pessoas? Eu pensaria que para o seu álbum de estreia solo você teria a sua escolha de qualquer produtor do “topo do mundo”.
Ao longo da carreira da Paramore, tiveram múltiplas oportunidades para tentar escrever com grandes produtores. Alguns anos atrás, eu fiz algumas sessões de escrita com Benny Blanco para outra artista. Acredito que estávamos escrevendo para o disco de Gwen Stefani, na época. Gostaria de ter uma melhor lembrança daqueles dias, porque sei que estava nervosa, mas ele era divertido. A verdade é que eu realmente não adoro fazer essa coisa toda de “sala de escritor”, porque parece uma reunião, sabe? Eu tenho muita dificuldade em agendar a criatividade dessa maneira e acho que artistas que fazem isso [são incríveis]. [Por exemplo], alguém por quem estou constantemente impressionada, por sua ética de trabalho e sua criatividade é Charli XCX. Ela está escrevendo com todo mundo, ela está fazendo um disco inteiro em quarentena agora mesmo. Ela é um poço interminável desse tipo de ética de trabalho.
Eu nunca fui realmente capaz de me programar ou me colocar em um novo lugar com novas pessoas e fazer algo que realmente me pareça autêntico, então fazer este disco meio que caiu do céu direto no meu colo. Eu fiquei realmente surpresa, mas também aliviada porque me deu uma escape muito necessário. Houve muitos momentos desconfortáveis que me desafiaram como escritora, mas fazendo isso com meu pessoal, tendo Joey que toca baixo para Paramore sendo uma grande parte do projeto, e obviamente Taylor produzindo, era a maneira que eu sabia que seria desafiada porque eles são ótimos parceiros musicais, mas eu também me sentia confortável para falar sobre merdas que estavam realmente me machucando. Consegui escrever com duas novas figuras, um compositor de Nashville, Micah Tawlks, e Steph Marziano, que fez muito trabalho com Sam Smith, The National e outros, que é realmente talentoso. Mesmo com as poucas pessoas novas que trouxemos, era para ser, mas eu não sinto que isso aconteça comigo o tempo todo.
“Eu tenho muita dificuldade em agendar a criatividade”.
Você tem medo de escrever “músicas ruins” ou músicas das quais você não se orgulha?Uma grande falha de caráter é que eu não gosto de fazer nada em que não sou boa. Eu diria para mim mesma ou para o Taylor ou Joey: “Você realmente odeia isso? Ótimo, estou feliz por não estar sozinha”. Eu finjo que me detenho se estou escrevendo algo pelo qual não estou totalmente apaixonada, mas às vezes continuo só para ver o que sai. Meu telefone está cheio de gravações de voz que datam do último álbum do Paramore, After Laughter. Algumas delas são tão embaraçosas, mas eu não as apago, o que é meio engraçado. É como um diário. Mas para este disco solo, se eu comecei algo, geralmente significava que eu realmente amava para onde ele estava indo, e eu estava seguindo a trilha, as migalhas que ele estava deixando para mim até que ele estivesse terminado. Eu sabia que ele tinha algo a dizer — que eu tinha algo a dizer. Eu me sinto assim com as músicas: tantas vezes eu começo a escrever e não tenho a menor ideia do que estou passando ou do que estou dizendo, e então a música me mostra. Dito isso, não tem como dizer que não há uma tonelada de merda no meu telefone. [Risos] talvez eu as compartilhe algum dia para rirmos.
Então, confiar em si mesma foi fundamental.
Exato. Houve um ponto durante a composição em que percebi que estava descobrindo um mundinho dentro de mim. O que eu estou tão acostumada nos últimos 16 anos lançando discos é essa expressão de círculo completo, onde você sente algo, nega ou talvez aceita, escreve, entrega à memória, grava, lança, faz turnê. Enxágua, repete. Você cria essa conversa que pode ser refletida por pessoas que ouvem sua música, e é algo com o qual você pode aprender. Eu acho que de muitas maneiras é uma viagem egoísta, porque eu tendo a negar meus próprios sentimentos, e muito da minha auto-descoberta é através dos olhos de pessoas reais. Poder cantá-los em voz alta e depois ouvir como atingem outras pessoas, como ressoam com elas é o que estou acostumada a fazer. Para mim, escrever e lançar músicas pode ser uma forma distorcida de terapia pública — às vezes é realmente confusa. Para esse disco, tudo isso veio à tona na época em que escrevemos “Sudden Desire”. Eu estava tipo, “Ok, isso é um disco. Aqui vamos nós”.
“Houve um ponto durante a composição em que percebi que estava descobrindo um mundinho dentro de mim.”
Pelo que você estava mais nervosa? Como você sabia que tinha terminado de dizer o que queria dizer?
Eu só ia colocar “Leave it Alone” no Spotify e que isso fosse o fim da história. Depois veio “Simmer”, e eu já estava no meu confortável fluxo criativo neste ponto. Mas então, assim que as coisas se tornaram oficiais, envolvendo meu empresário e tal, eu comecei a entrar em pânico. Taylor continuou dizendo: “Já é real e você precisa aceitar isso”. Então foi quando eu tive a ideia de colocar as músicas em três partes, cinco músicas cada, para talvez tirar um pouco da pressão. [Risos]
O que as três partes do álbum representam para você?
Havia um grande peso em “Leave It Alone”, “Simmer” e “Sudden Desire”, para o qual fui atraída. Elas eram mais sombrias, mais pesadas e vieram com mais peso emocional do que algumas das outras faixas que eu havia terminado. Elas se encaixavam e eu queria colocá-las para fora no inverno, então isso formou a Parte I. Depois, a Parte II, que tem músicas como “Why We Ever”, é um pouco mais silenciosa. Do meu ponto de vista, a Parte II representa um período de tempo em que você talvez esteja entre as estações e esteja refletindo, mas ansioso. Nós falamos tanto da lagarta e da borboleta, mas toda a transformação acontece dentro do casulo. O álbum completo é como: “eu vou sair e realmente me esforçar para curar e crescer e correr grandes riscos”.
“Falamos tanto da lagarta e da borboleta, mas toda a transformação acontece dentro do casulo”.
“Simmer” é uma canção interessante para liderar o projeto. Você canta “Rage is a quiet thing” e para corresponder a esse sentimento, a canção constrói mas nunca ferve completamente. Que tipo de afirmação essa música faz para você?
Eu gosto que ela pareça um pouco envolta em mistério. Eu acho que ser capaz de abrir com algo assim permite que as pessoas se envolvam mais e olhem para você com olhos tortos. Tipo, “o que é isso?” Eu queria deixar as pessoas coçando um pouco a cabeça e não entendendo para onde isso vai, especialmente considerando que isso vem depois de fazer After Laughter com o Paramore, que tinha um som definitivo para a carreira da nossa banda. Uma vez que essa música foi escrita, pensei muito na raiva, especificamente na raiva feminina, e no seu papel na história.
Acho que ela está em tudo o tempo todo. Que ela nos impulsionou para um grande progresso como seres humanos. Ela alimenta a justiça e muitas vezes pode ser um catalisador do bem em um mundo realmente de merda. Ao crescer, eu não me relacionava com a feminilidade. Eu realmente não me relacionei. Sempre me senti mais masculina, especialmente que, enquanto crescia nos anos 90 em uma pequena cidade do Mississippi, era algo muito binário. Não se podia encarnar as duas coisas ou uma infinidade de qualidades. Quando jovem, eu não sabia onde colocar isso. Então, obviamente, entrei para uma banda com um monte de caras, e tive muitas experiências que realmente influenciaram a forma como processei minha própria natureza feminina. Uma grande parte da minha recente descoberta disso foi através da minha raiva. Ao aprender como processar minha raiva, comecei a descobrir o que significa para mim ser feminina neste mundo.
Acho que estamos certamente em um clima para que essa raiva exista mais livremente agora. Com muita frequência, mesmo agora, as mulheres são ditas que sua raiva não tem espaço em nenhum lugar. Não é educada, é imprevisível…
É foda. Mas eu tenho que dar muito crédito onde estamos culturalmente agora, especialmente na América. Sinceramente não sei como é viver em outro lugar, mas pelo menos agora, parece que há muitas pessoas acordando para as injustiças que talvez sejam específicas das experiências das mulheres. Sinto que quando o caso Weinstein se rompeu, também teve The Handmaid’s Tale na televisão e muitos outros filmes e séries de TV que são sobre vingança e justiça, e os principais personagens que impulsionaram essas histórias e esses movimentos em direção à mudança foram mulheres. Ver tudo isso realmente reforçou meu processo de tentar curar alguns traumas de coisas que eu testemunhei e vivenciei na minha vida. Eu também ainda estou percebendo as maneiras que a minha educação e a minha união com uma banda de amigos da escola influenciaram como eu me vejo. Quer dizer, eu tinha 16 anos e peguei a estrada e fiz coisas como a Warped Tour, tinham homens em todos os lugares.
Acho que nunca consegui processar exatamente como foram esses momentos. Eu só podia estar no meu corpo, olhando dos meus olhos. Agora, em retrospectiva, eu volto para algumas dessas memórias e eu fico tipo, “Oh porra, não admiro que houvesse tanta misoginia internalizada e que você lançou através de músicas como ‘Misery Business’ ou o que quer que seja”.
Eu era parte de um tipo específico de mundo masculino, e essa é a maneira que eu processava as coisas. Agora eu posso voltar e dizer que quando homens de 20 e poucos anos gritavam “tire sua blusa!” para uma pessoa de 16 anos, eu gritava de volta para eles. Eu era animada. Estou muito orgulhosa daquela minha adolescente, mas também eu não tinha condições de processar que aquelas circunstâncias não estavam certas. Tipo, se essa merda acontecesse com minha irmã de 16 anos agora mesmo, eu largaria minhas mãos em um minuto. Acredite. Não é legal. Estou grata por tantas de nós estarmos acordando agora, mesmo que tenhamos sido endurecidas para aceitar essas coisas como normais.
“Ao aprender a processar minha raiva, comecei a descobrir o que significa para mim ser feminina neste mundo”.
Voltando ao álbum, seu visual é tão marcante. Por exemplo, eu estava muito entusiasmado pela forma como você fazia a coreografia em “Cinnamon”. Então o projeto como um todo, da música ao imaginário, foi um processo de expansão para você.
Muito obrigada! Eu não dançava há tanto tempo. Eu dancei quando era muito jovem, porque, claro, ao crescer, eu queria ser como a Missy Elliott.
Quem não queria?
Quero dizer, realmente. Ela era tão legal, porra. Ela era uma daquelas pessoas quando eu estava morando no Mississippi, um lugar triste para crescer, eu achava que ver os vídeos dela na MTV era ver uma janela para o espaço. Logo depois disso, mudei-me para Nashville e obviamente juntei-me ao Paramore e a minha paisagem musical mudou mais. Minha mente se abriu para esse outro tipo de música, mas eu nunca perdi meu fascínio pela dança e pelas batidas, o que não se encaixa necessariamente em uma comunidade “alternativa”. Ao crescer, eu também era obcecada pela Aaliyah. Quando ela morreu, eu fiquei desolada. Obviamente, quem ouvia Missy ia ouvir Aaliyah em algum momento.
Então, isso foi realmente uma grande parte dos primeiros momentos para mim onde meus olhos estavam bem abertos para a música e o que você podia fazer. Eu estava tipo, “pelo amor de Deus, por favor, me deixe fazer música e sair desta cidade”. Eu tinha apenas oito ou nove anos de idade, então eu acho que era para acontecer. Acho que algo foi colocado no meu coração numa idade muito jovem para sair para o mundo onde havia outros tipos de pessoas e outras coisas acontecendo além daquela pequena bolha em que eu estava. Acho que voltei àquela curiosidade infantil neste álbum, e sim, a dança fazia parte disso. Para “Cinnamon”, eu mandei uma mensagem à Parris Goebel e estava tipo, “Por favor, me ajude nisso”. [Risos] Imagina, ela estava ajudando J. Lo para seu show do Super Bowl, nada demais. Mas Parris me fez começar a dançar por diversão novamente.
“Acho que voltei àquela curiosidade infantil sobre este álbum, e sim, dançar fazia muito parte disso”.
Bem, se estamos aprendendo algo com essa pandemia, é que a vida é tão curta. Apenas faça o que você quiser.
Realmente. Espero que saiamos disso com uma nova conexão com nosso espírito, porque não podemos negar isso depois de algumas semanas de silêncio em sua casa. Há tanto silêncio em sua casa; há tantas ligações por FaceTime, cozinhando merda e até mesmo escrevendo músicas que se pode fazer antes que você tenha que ficar quieto consigo mesmo. Indo em frente, estou interessada em ver como essa quietude pode ser refletida na sociedade.
Tradução feita por Rita Nogueira, equipe Paramore Brasil.
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