Em uma nova e intimista entrevista, Hayley Williams revela detalhes sobre os dias sombrios que viveu após o seu divórcio, o momento em que começou a beber em turnê para mascarar a sua depressão, os problemas de saúde que desenvolveu e a luta permanente pela saúde mental e feminilidade.
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Petals For Armor, o primeiro álbum solo da cantora e compositora Hayley Williams, nasceu de uma sessão de terapia, de um casamento falido e do relacionamento turbulento com os seus ex-colegas de banda. O que tudo isso tem ensinado a ela?
Quando Hayley tinha 9 anos, seu pai a levou para uma corrida de kart no Ultimate Fun Worl em Mississippi. Quanto mais ela apertava o acelerador, mais as suas dores de crescimento eram aliviadas. Ela ficaria o dia todo dirigindo até esquecer a dor, “eu pensei que ficaria mais alta”, ela disse.
Agora Williams está com 31 anos e tem 1,55m de altura. Sentada em um quarto de hotel de Londres, vestida com leggings pintadas em um tom pastel que termina no seu traje preto, ela faz um barulho encantador e surpreso enquanto eu leio o começo do seu antigo LiveJornal e continua a me mostrar como ela costuma se livrar das dores: no começo, enquanto era apenas compositora e vocalista do Paramore, banda de pop-punk de Nashville, ela estava atormentada por um carrossel de membros cheios de ressentimentos que deixavam a banda e, inevitavelmente, manchavam a reputação da cantora ao sair; e, mais tarde, como esposa em um casamento que ela sabia que não deveria ter começado. Durante a primeira turnê, para o álbum After Laughter, ela falava sobre auto aceitação enquanto estava no palco, mas bebia para mascarar a sua depressão.
Williams reflete sobre a corrida de kart. ‘Uma metáfora!’, ela diz.
Seu álbum de estreia na carreira solo tem um tom parecido com Radiohead, o que é o oposto de suas produções durante seu trabalho diário. Levando em consideração que o Paramore teve uma formação estável nos últimos 3 anos, parece ser um péssimo momento para começar uma aventura solo, mas, no fim da última turnê da banda, Williams, o guitarrista Taylor York, e o baterista Zac Farro, perceberam que para a banda continuar eles precisavam nortear a amizade deles fora da rotina de shows. Sem planos com o Paramore, Williams se confrontou com um sentimento que começou a aparecer durante as turnês. Ela lembra de um pensamento: “eu estou sentindo muita raiva?“.
Levando em conta que Williams pertence a uma cena chamada emo – como em emocional – a sua alienação pelos seus sentimentos podem parecer estranhas. Ela nunca negou isso em suas letras e tem uma presença de palco potente. Ela também não nega as razões para estar brava: antes de lançar o After Laughter, ela terminou seu casamento de 2 anos (e de 10 anos de namoro), com o Chad Guilbert, guitarrista da banda New Found Glory.
Vender uma raiva é bem mais fácil que abraçar a sua própria, especialmente quando você é uma mulher jovem que não precisava dar munição extra aos ex-membros da banda para que eles pudessem miná-las. “Não estava funcionando, sabe?“ Williams disse. “Um dos momentos que eu mais me curei foi quando percebi que muito da minha depressão vinha do sentimento de raiva. Eu fazia de tudo para manter isso internamente, dentro de mim, e isso fazia eu sentir vergonha o tempo todo”. Ela descobriu mais tarde que a raiva poderia ser energia; um reconhecimento de autovalorização. “Isso me ajudou a entender que as coisas que aconteceram na minha vida não eram corretas.”.
Tudo começou na sua primeira lembrança – da briga que instigou o divórcio dos seus pais. “Eles eram jovens”, ela disse. “Eles erraram. Não é realmente algo para se zangar. Mas quando eu fiz terapia, percebi que eu tinha apenas 4 anos de idade e achei que aquilo tudo tinha acontecido por minha causa.”. Ela percebeu que tudo tinha origem naquele momento: “Eu sempre quis uma família.”.
Ansiosa para começar uma banda, Williams não conseguia encontrar uma pessoa para tocar numa banda de pré-adolescentes no Mississippi. Em 2002, ela e sua mãe se mudaram para Franklin/TN para fugir do ‘pesadelo do padrasto’. Elas moraram com alguns amigos, em hotel, em um trailer, e até em um apartamento que foi mobiliado com doações de um grupo da igreja. Williams sofreu bullying por conta do seu sotaque, então ela começou a ter aulas semanais em casa com um professor particular. No primeiro dia ela conheceu Farro, que a apresentou para os garotos que, então, formariam o Paramore. Em 2005 eles eram a realeza do emo, tanto por seus refrões crescentes, quanto pelos dramas internos. As constantes mudanças na formação da banda fizeram Williams entrar numa tristeza profunda: “Eu estava tentando manter uma família unida.”.
Foi a mesma coisa com o seu relacionamento com Gilbert, que começou em 2008. Ela quis refletir o relacionamento dos seus avós na sua vida: seus avós, que se conheceram quando tinham 12 anos de idade, permaneceram juntos. Com a terapia, ela percebeu que tinha escolhido um parceiro com quem ela poderia reviver o trauma do casamento de seus pais. “Eu não estava num relacionamento saudável e continuei pensando: eu posso consertar dessa vez.”.
Ela é discreta sobre o relacionamento deles, para evitar recriminações públicas. “Ele provavelmente me vê como a vilã”, diz ela com entusiasmo. “Contar a minha versão da história de outra pessoa não parece justo, o que é engraçado, porque eu não acho necessariamente que haja justiça aqui. Especialmente depois de toda a merda que passei.”. Williams sabia que não poderia salvar o relacionamento – ou que isso não poderia salvá-la – antes do casamento em 2016. Ela não queria se casar. Mas ela gostou da conclusão. “Eu queria aquilo tudo – a família – e pensei que poderia até parar de fazer música por um tempo, para me dedicar à isso.”. Nunca teria sido uma consideração se ela se sentisse apoiada. “Desistir do que é mais precioso para mim? Você está brincando comigo?”.
Depois que o casal se separou, seu melhor amigo a lembrou da manhã do casamento. Como ele ajudou Williams com o vestido produzido por Vera Wang e as botas da marca Dr Martens, ela estava se partindo em pedaços. Estava fora do personagem, ele disse, para alguém que geralmente tem uma atitude bastante despreocupada com a própria aparência. “Quando ele disse isso, senti falta de mim mesma”, diz Williams. “Quando você sente tanta vergonha, não quer que uma pessoa veja sequer uma pequena parte de um problema, porque essa poderia ser a abertura da porta para todos os outros problemas.”.
O subconsciente de Williams começou a abrir caminho enquanto escrevia músicas para o ‘After Laughter’ – particularmente em ‘Caught in the Middle’, uma sátira de seu talento para a auto-sabotagem. “É aterrorizante viver nessa realidade, porque você percebe que é o vilão”, ela diz. “Você continua arruinando a sua própria história de forma proposital, porque tem medo de que algo dê certo e você estrague novamente.”. Ela desenvolveu erupções cutâneas, parou de comer e sua atividade adrenal, relacionada ao sistema endócrino, ficou comprometida. Ela deixou o relacionamento, abandonou seus pertences e mudou-se para uma cabana em Nashville com um colchão no chão, mobília de pátio emprestados por seus novos vizinhos e um problema de infestação de morcegos que custou US$ 10.000 para resolver.
O ciclo de divulgação do álbum ‘After Laughter’ estava apenas começando. Quando o Paramore gravou os dois primeiros vídeos, Williams pesava muito pouco. “Não percebi, até ver as fotos e foi algo como… ‘não há como esconder que não estou bem agora'”, diz ela. “E parte de mim gostou disso – se as pessoas souberem que eu não estou bem, elas não chegarão muito perto.”.
Seus colegas de banda a convenceram a comer depois que a turnê começou. Então seus mecanismos começaram a se esgotar. O ex-marido de Williams leva o estilo de vida ‘straight-edge’, então ela não bebeu álcool durante a maior parte dos seus 20 e poucos anos. “Mas não era realmente sobre mim”, diz ela. “Era sobre agradar as pessoas.”. Seu divórcio e a lenta aceitação de suas emoções a deixaram tomar tequila antes do bis, “procurando se libertar de uma prisão em que me meti e ao mesmo tempo esquecer disso.”.
Ela não descreveria a si mesma como deprimida, mesmo tendo se sentido suicida. “O que eu odiava nessa época é que ver a palavra ‘depressão’ ainda era um pouco novo pra mim – e tornou-se uma palavra que me chamava muita atenção, como algo escrito num botão vermelho, quase um ‘caça-cliques’, entende?” ela diz timidamente. “E me assustava fazer parte desse tipo de conversa, especialmente se eu não tivesse certeza do que realmente estava acontecendo comigo.”.
Ela ligou os pontos quando chegou em casa um dia. Começou a terapia e substituiu as cadeiras do pátio por móveis de verdade. O novo álbum apresenta uma música íntima e incomum chamada ‘Cinnamon’, que fala sobre sua casa e o prazer de tomar café da manhã nua. “Eu morei em um trailer por meses, quando minha mãe e eu estávamos fugindo”, ela relata. “Ser capaz de ter seu próprio espaço é uma marca de: esta é quem eu sou e este é meu alívio.”.
Tendo se sentido fisicamente e emocionalmente “incondizente” por tanto tempo, Williams reconhece que “o que acontece em nossos cérebros geralmente se manifesta fisicamente se não cuidarmos disso”. Ela menciona uma série de estrelas da música pop (incluindo Justin Bieber e Selena Gomez) com doenças auto-imunes. “Acredito firmemente que a razão pela qual estamos vendo isso é: por quanto tempo você reprimiu um problema? Porque isso é real.”.
A vulnerabilidade se tornou A sua maior “arma de proteção”, aliviando a pressão: “Você não espera que eu seja ótima!”. A introspecção em Petals for Armor é mais exposta do que qualquer música do Paramore, abordando seu relacionamento e os “abusos nojentos” sofrido por mulheres mais velhas em sua família. Isso estabelece seu lugar em uma linhagem feminina que ela não se sentia à vontade em reivindicar. Sempre que Williams lida com vergonha sobre situações como o seu divórcio, ela se lembra, sem grande admiração, de que não teria essa carreira, se não fosse pelo conflito que começou em sua infância.
Ao invés de se arrepender pelo seu passado, ela espera destacar o poder da raiva feminina. “A raiva das mulheres mudou muitas coisas neste mundo”, ela diz. “Conseguimos avançar em tantas áreas.”. O mundo em 2020 não quer exatamente temperamentos quentes. Mas, Williams diz que a raiva geralmente está tentando te ensinar alguma coisa. “Nem tudo precisa ser sobre ignorância, discurso de ódio e besteiras.”.
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