Preparamos uma nova entrevista traduzida pra vocês! Dessa vez trata-se de uma matéria reveladora da Dazed Magazine, onde Hayley Williams discute sobre como os seus traumas, feminilidade e sessões de terapia que à fizeram florescer e criar a obra Petals For Armor. Confira!
Em 2018, Hayley Williams estava andando pelas seção de roupas íntimas de uma loja da Target, em Nashville, quando uma garotinha apareceu de trás de uma estante de roupas. “Eu também tenho depressão” ela gritou. “Obrigado pelo After Laughter!”. Foi uma rápida e sincera proclamação e que permaneceu com Williams. “Aquele álbum foi o início de um acerto de contas para mim,” ela me disse hoje. “Havia muita merda vindo para a superfície. Minha depressão estava exigindo ser reconhecida.”. Ver pessoas se conectando com o seu lado mais obscuro “foi uma benção”, disse Williams, “mas eu não estava pronta para o quão ruim tudo iria se tornar. Eu ainda tinha algumas coisas para escavar e, quando finalmente coloquei minhas mão na areia…”
Essa é a vocalista do Paramore, uma das titãs do emo que definiram uma era de angústia do pop punk. Ela estava tão distante dos seus sentimentos que parece até chocante. All We Know is Falling, o primeiro álbum da banda, é de uma beleza fervorosa – ele tem uma mistura de guitarra pesada e melodias de bater a cabeça com a voz da Hayley de 16 anos e um alcance poderoso do hino doente de amor em “My Heart”. Em um mar de homens no cenário pop punk, ela foi um dínamo. De lá para cá, o Riot!, de 2007, vai de um grito adolescente para um impulsionamento pop sobre uma busca romântica e sonhos destruídos. A fúria desenfreada e frustrações de Hayley nas composições foram exploradas em 2009 com o Brand New Eyes – “Ignorance” é uma música forte que fala sobre a relação desgastada da banda. Foram essas faíscas ferozes que fizeram eles não se separarem para sempre. “Não é uma raiva madura, é?” Williams diz. “Mas eu amo por causa do alívio e direção que aquilo nos proporcionou.”.
Em cada nova fase, as composições de Hayley se tornam mais pessoais como em Brand New Eyes onde ela explorou a sua separação com Josh Farro, guitarrista da banda. O álbum auto-intitulado, de 2013, trouxe uma sensibilidade emo para as paradas de sucesso. Mas em 2017, com o After Laughter, uma reflexão fervorosa da sua identidade, saúde mental e relacionamentos, explorada com luzes neon, marcou uma nova fase para a banda com letras introspectivas de uma forma que Williams ainda não tinha escrito. Por quase uma década, as suas letras tinham palavras com sufixos usados em nomes de perfis do MySpace, ela fazia tatuagens nas costelas e soltava gritos durante os shows da banda. Em 2020, agora como artista solo, Hayley tem seus próprios sentimentos para desembalar.
Quando nos encontramos numa suíte em um hotel de Londres, Williams me lembra toda a conexão que tenho com o seu trabalho: “quando eu faltei aula, pela primeira e única vez, para comprar o Brand New Eyes, ou quando eu quebrei e joguei fora o colar da merch oficial de “The Only Exception” que meu namorado tinha me dado, depois dele terminar comigo numa lanchonete, eu voltei para procurar o colar.” Hayley prometeu me ajudar a procurar um novo. Ela me cumprimenta com um abraço quente e todo seu 1,57m de altura, vestida com um longo casaco preto e uma calça estampada da Collina Strada que logo se aconchega numa poltrona para iniciar a conversa.
“Eu amo falar com jornalistas mulheres,” ela diz. “Há uma empatia que é totalmente indescritível. Eu tenho agradecido por isso durante essa fase… Quem dera a vida fosse apenas um grande banheiro feminino de um show. Você teria amigas conversando constantemente antes de você sair e dar de cara com o mundo. Você acha que os banheiros masculinos são assim? De jeito nenhum!” ela balança a cabeça de forma dramática. O seu cabelo é loiro, mas a garota de 31 anos está brincando com uma caixa de tinta (ela é uma das fundadoras de uma empresa de tintas veganas de cabelo, a GoodDyeYoung), um grande contraste da adolescente de cabelo laranja que ela ostentava durante o início da icônica banda.
“Eu acho um pouco difícil olhar aquela era em particular,” ela diz. “Eu consigo perceber o quanto cautelosa eu era. Eu consigo ver nos meus olhos que eu estava lutando com os segredos que estava guardando até mesmo das pessoas mais próximas à mim. Quando eu finalizei o After Laughter, e aqueles anos complicados na estrada, eu tinha algumas feridas profundas e raivas que estavam esperando pela minha atenção.”.
A jornada para a vulnerabilidade que floresce no seu álbum de estreia, o Petals for Armor, tem sido bem tumultuada: uma fraturada vida em família e discordâncias da banda; o divórcio com o seu parceiro de longa data, o Chad Gilbert do New Found Glory; e a queda brusca da sua saúde mental e física. Boa parte disso aconteceu enquanto ela vivia uma vida agitada na estrada, em estúdios de gravação, no olhar do público e online. “Se abrir é algo que eu tive que exercitar,” ela diz. “É como um músculo, e isso não aparece de forma fácil, mas eu tenho percebido que está aparecendo de forma mais natural com o passar do tempo”
Após o After Laughter, uma imprensa extenuante e a temporada da turnê, ela finalmente voltou à casa sem mobília (e potencialmente assombrada) de Nashville, onde ela vive, morando sozinha pela primeira vez. Lá, ela começou a terapia. Ela pretendia dar uma pausa na música, mas sua terapeuta lhe encorajou a continuar compondo sobre seus primeiros traumas. “De repente, eles estavam se constituindo nas músicas. O que eu dizia me assustava de verdade. Está tudo lá”
Após o divórcio de seus pais e o subsequente término volátil de sua mãe com seu padrasto, Williams foi arrancada de Mississippi para Franklin, no Tennessee — perto o suficiente do paraíso da música country, Nashville. Foi lá que a Williams de 14 anos assinou um contrato com uma gravadora. Mesmo assim, ela e sua mãe precisaram manter a ajuda dos amigos, as doações da igreja e continuar a viver em hotéis e trailers. Mais tarde, Williams escolheu terminar seus estudos em casa após sofrer inúmeros casos de bullying em relação ao seu pesado sotaque sulista. Foi num curso presencial que ela conheceu Zac Farro e, posteriormente, Josh Farro e Taylor York, que no futuro se tornaram seus colegas de banda no Paramore. Apesar dos executivos da gravadora escalarem Williams como uma artista solo, ela manteve seus desejo de estar em uma banda de pop-punk. “Era pra criar a minha própria família”, ela afirma. “Estava procurando por uma família que iria me compreender de fato.”.
Com o passar dos anos, o Paramore possuiu uma instável formação. O drama deles foi massacrado em manchetes de discussões sobre créditos de composição e ambições de carreira solo. “A era Riot! foi um árduo caminho. Eu apenas queria dormir por milhões de anos, mas seria apenas mais uma década naquilo”, ela disse enfaticamente. Atualmente, eles são um trio sólido, com Taylor York na guitarra e Zac Farro na bateria. A banda está em hiatus enquanto seus membros seguem com suas próprias aventuras e com boas relações entre si — tanto York quanto Farro trabalharam com Williams em Petals for Armor.
Ao escrever Petals for Armor, um dos maiores desafios de Williams foi “possuir essas histórias como as dela, e aceitar tudo o que isso trouxer”. Um dia após a nossa conversa, ela se apresentou na Radio 1’s Live Lounge da BBC, estreando “Simmer” e um exuberante cover de “Don’t Start Now”, de Dua Lipa, e revelando sua incredulidade ao dizer seu nome próprio sem o prefácio “Paramore” pela primeira vez. Mesmo em seus projetos paralelos anteriores como artista convidada, ela era conhecida como “Hayley Williams do Paramore”. Ela teve que desaprender isso, ela diz, para “se precaver da solidão, de estar um pouco assustada e envergonhada.”
“Gosto de iluminar outras pessoas, de compartilhar espaço”, Williams diz. “Para mim é mais fácil estar orgulhosa com o Paramore, do que estar de mim mesma. Ainda estou aprendendo a balancear, a valorizar o meu trabalho. Estou empolgada em relação ao que vou levar para o Paramore porque estou aprendendo demais! Mas estou tentando ser presente. Estou aprendendo a dar oportunidade às pessoas estarem orgulhosas de mim e me apoiarem também.”.
O desventurado amadurecimento pessoal começou durante os altos e baixos do After Laughter. Antes de seu lançamento, ela deixou Gilbert e se divorciou no fim daquele ano. Uma das faixas centrais do álbum, “Pool”, levou um ano para ser criada. Começou como uma balada pop e desceu até uma obscura metáfora sobre afogar-se nas incertezas de um relacionamento. Debaixo do brilho pop de “Fake Happy”, escondida em suas cavernas eufóricas, estava a dificuldade de Williams em reconhecer sua depressão e relacionamento irrecuperável. “Não ser honesta sobre minha raiva me deixou doente. Eu não comia, não bebia e isso não era bom para o meu corpo.”. Ela começou a beber antes de shows em arenas, apenas para passar por aquilo, e seu peso atingiu o mínimo. “Minha vida parecia desmoronar. Eu me sentia como se não tivesse nada a perder, simplesmente vazia por completo” ela diz pesarosamente.
Foi no trajeto de Petals for Armor que a metamorfose de Williams tomou forma. A dor e o trauma que envolveu o After Laughter ganhou clareza e propósito. As canções começaram a flexionar traumas que surpreenderam até a própria Williams: o divórcio de seus pais, desconfortos a respeito de seu casamento desde o início, um medo primitivo de ser abandonada. A raiva tornou-se uma energia, um recurso catártico. “Simmer”, uma faixa sobre os abusos que as mulheres em sua família sofreram, inicia-se com uma expressão “singular e fervente”, “raiva”. “Eu queria inserir as intensidades mais profundas dos meus medos e da minha raiva. Não forcei a trazer nada disso à tona, na verdade, eles quiseram aparecer de repente.”.
Petals for Armor é estruturado em 3 partes, o som e lirismo refletem, de formas distintas, sua recuperação mental, da escuridão à luz. “Eu ainda tenho uma mente bastante obscura e sentimental”, ela diz. “Posso estar com os meninos e ter um momento ótimo, e depois vou ficar muito pra baixo com a ideia de nós não sairmos. Por que eu sou tão pessimista? Eu sou um ímã para tragédias. Eu tenho que lutar contra, mas também aceitar isso.”. Escrever faixas como “Leave it Alone” foi um exercício catártico para compreender esse medo, enquanto “Cinnamon” é um ponto para novas formas de enfrentamento.
On “Dead Horse”, Williams compartilha como o seu “relacionamento mais significativo” com Gilbert começou como um caso, enquanto ele ainda estava em seu casamento anterior. “Eu queria finalmente desafiar de frente as vergonhas dos meus 20 anos. Eu cometi muitos erros e estou disposta a falar sobre eles, mas não sobre os de outra pessoa”, ela diz, deixando de lado aquilo que se refere a Gilbert. “Estou colocando muita coisa lá. Quero que as pessoas tenham a oportunidade de subir a bordo com esse eu ou fiquem em paz, devo isso a eles. Ao mesmo tempo, estou grata que eu não estava pensando em ninguém além de mim quando compus essas músicas.”.
Williams dá crédito a sua terapia e os tratamentos homeopáticos por ter reconhecido os traumas e percebido seu próprio valor. “Eu tenho aprendido que estar abandonada é um gatilho para mim. Imaginar perder pessoas. Eu acho que com o relacionamento dos meus pais e o divórcio… eu pensava que tudo era minha culpa. O fim da banda também me assustava.”. Ela percebeu que estava querendo reproduzir o único relacionamento saudável que ela conheceu, o de seus avós, e corrigir os erros dos seus pais com o seu parceiro e assim alcançar um casamento saudável. “Eu tive que tratar algumas decisões difíceis que fiz e imaginar novos caminhos”.
Uma sessão de terapia craniossacral em particular lhe deu clareza: numa cama, ela imaginou seu corpo brotando flores. Quando ela abriu os olhos, haviam pétalas pelo seu corpo. É uma metáfora para o crescimento doloroso que ela estava prestes a passar e a ideia central para o Petals for Armor. “Eu penso em todas as mulheres murchas,” ela canta em “Roses/Lotus/Violet/Iris”, “Arrancando todas as suas pétalas.”.
“Eu tinha encontrado resiliência, bravura e força na minha mãe e a terapia me devolveu isso tudo,” Williams diz, acrescentando que ela tem esperança que um dia ela também possa ser mãe. “Eu sinto que isso é um desafio que vale a pena – eu quero essa responsabilidade, esse amor que parece ser maior que eu.”.
As sugestivas imagens parentais correm paralelas à mudanças de relacionamento de Williams com a sua feminilidade, que floresce com o decorrer do álbum. “Eu visualizo a feminilidade como mãos fortes manuseando a areia. Está na composição, escavando as pedras do passado e as merdas mais difíceis, preparando a terra até ela estar pronta para você plantar algo.”. Ela assistiu Midsommar, o horror rural da Ari Aster, várias vezes e se encantou com a cena de grito da mulher. Conversas em uma recente cerimônia de mulheres que ela participou fez com que Hayley se inspirasse em explorar a saúde e psicologia feminina. “Eu estava com 30 anos quando comecei a compôr para esse projeto. Eu acordei com 30 e tive um maior conhecimento do meu corpo, do trabalho que eu vinha fazendo, meus desejos, esperanças e tudo aquilo fez eu me sentir muito feminina.”.
Feminilidade é algo que ela tem lutado muito. “Eu sempre fui muito tímida em relação a minha feminilidade, sempre querendo mostrar meu lado mais firme primeiro – isso foi o mais catalisador desse álbum. No palco, eu sempre quis ir contra as expectativas estereotipadas daquilo que é ser feminino. Eu queria ser um espírito. O palco e minha música são os lugares onde eu não sou tão vaidosa e tímida. Deixar isso de lado… eu realmente quis todo mundo envolvido no projeto para imaginar a feminilidade das formas diferentes que as pessoas estão acostumadas a ver – é primitivo e feroz e nojento e lindo.”.
Nos momentos mais difíceis, Williams se distanciou das amizades, mas encontrou laços fortes com as mulheres da sua vida – sua mãe, amigas de infância, esposas e namoradas dos colegas de banda – foram quem mais lhe ajudou. “Quando eu comecei a ser um pouco mais aberta com as mulheres da minha vida, minha música ficou diferente. Se sentir vista no momento que fui diagnosticada com depressão, quando comecei a tomar remédio e estava passando pelo meu divórcio – eu encontrei fé novamente, mas em mulheres. E na vida, eu nunca tinha me sentido tão… feminina? Tão orgulhosamente feminina. Com isso, eu acabei me dando o valor que merecia.”
Os erros e desarmonias do seu passado floresceram na graça e redenção que Williams se permitiu sentir hoje. Isso ainda é um processo corrente. “Estou tentando não me esconder ou desviar de obstáculos imaginários antes mesmo deles aparecerem na minha frente! Mas eu me sinto mais certa agora que não estou no controle. Eu preciso permitir que exista um espaço para incertezas.”. Alguns dias ela passa compondo com Taylor York, ou folheando a autobiografia da Debbie Harry. Ela continua fazendo terapia, escavando os traumas e preparando uma terra para um futuro frutífero. Eu digo a Williams que essa nova era me lembra do poema “Gansos Selvagens”, de Mary Oliver, que fala sobre tirar das nossas costas as expectativas da sociedade e viver da forma que a natureza vive, autêntica consigo mesma: “Você não tem que ser boa… Você apenas tem que deixar o animal delicado do seu corpo amar o que ele ama.”.
“Eu amo isso,” ela diz, “Eu me sinto otimista – Por que não buscar esperança onde quer que você possa achar?”.
Petals for Amor I e II já estão disponíveis nas plataformas digitais e o álbum completo será lançado no dia 8 de maio.
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One Reply to “Dazed: em meio a traumas e feminilidade, Hayley Williams floresce em seu novo álbum solo”